Eu me procuro no silêncio, no aconchego da folha branca de papel, são tentativas de compreender a mim e o mundo. Talvez seja por isso que, hoje, o filme O substituto, tenha me tocado tão profundamente. Confesso que tive até dificuldades para acreditar que é um filme bom para um final de semana, pois fiz várias tentativas de assisti-lo no notebook conectado à TV e de ter, por este motivo, visto várias vezes seu início. O tema me cativou e, além disso, recebera muitos prêmios.

Lecionei em universidade e tive que suportar reações dos alunos ao seu péssimo desempenho. Um deles jamais esquecerei, pois amassou a prova com sua nota baixa e a atirou na direção do meu rosto. As palavras que disse eu não me recordo, mas a sensação de estar sendo agredida em sala de aula foi inesperada. Na prova, ele não soubera se expressar, não demonstrara clareza e não respondera ao solicitado. Observei então que sua capacidade de frustração era baixíssima. Eu jamais pensei que um gesto desrespeitoso fosse ocorrer na sala de aula, lugar sagrado para mim, onde se espera que universitários respeitem o professor.

Naquele momento, eu me apropriei do que aprendera de meus pais. Nunca revide, porque estarás no mesmo nível do agressor. E foi o que fiz.

Eu não disse nada. Recolhi a bolinha de papel e guardei-a em minha bolsa. Continuei a aula e decidi depois que não faria queixa ao meu coordenador. O tempo é sábio e nos auxilia a descobrir soluções, A turma esperava reação e achou que ia ficar nisso. Fui para casa carregando a prova de seu comportamento dentro de minha bolsa.

O filme

Responsável pelo avô com Alzheimer, um professor substituto  talentoso, mas com um passado conturbado, percebe que os alunos estão sem diálogo, seguindo na direção do antigo código de Hamurábi. Compreende que todos, alunos e avô estão com problemas de comunicação.

No Código de Hamurábi, conjunto de leis escrito há aproximadamente 1.700 anos a.C., encontrado por uma expedição francesana região da antiga Mesopotâmia (atual Irã) , encontra-se aquele princípio: “olho por olho, dente por dente”. Tinha por objetivo evitar a (in)justiça feita pelas próprias mãos.

(E se eu tivesse feito o mesmo? O que eu teria ensinado àquele meu aluno que atirara a prova em mim?)

Os ataques terroristas ocorridos na Europa poderiam ampliar a sua análise, buscar causas e responsabilidades? A lei de Talião (código acima) estava consumada e gerava sentimentos de medo intenso em muitos. Medo também que, em outra intensidade, apareceu estampado no rosto de alguns de seus jovens alunos que, pela primeira vez, encontravam um professor disposto a orientá-los para a vida.

Fora esse o motivo de sua escolha em trabalhar na substituição: orientar alunos sem se comprometer? Nunca estava na mesma escola por mais de algumas semanas, tempo insuficiente para estabelecer relacionamentos mais profundos.

O papel do professor

É um filme para repensar projeções de nossos sentimentos em nossos relacionamentos e qual é a nossa capacidade de resiliência. Trata-se de um quadro da natureza humana com dramas, temores e circunstâncias que orientam e determinam o agir das personagens.

O filme permite várias leituras e pode estimular a empatia e a compreensão do ser humano, fundamentais para o papel do professor que precisa olhar para si para ser educador.

Um filme para penetrar na missão dos mestres e na sua importância no cuidado aos alunos e no seu autocuidado.

Nota:

Ah, sobre a bolinha de papel e o aluno? O aluno deve ter passado o semestre todo sem saber se eu ainda reagiria, incerteza que talvez lhe ensinasse alguma coisa… Na frente da turma, eu lhe entreguei em mãos a bolinha de papel, a sua prova amassada. Era o último dia de aula. Então com voz baixa, disse-lhe de minha surpresa, de que o comportamento fora de desrespeito, que o diálogo pode sempre ocorrer antes de uma reação agressiva, sobre o desrespeito comigo e o que eu esperava que isso lhe ensinasse a respeitar um professor. No caso, a professora.  

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Título do filme original

Detachment (2011) País: EUA Diretor: Tony Kaye Roteiro: Carl Lund. Acesse-o aqui no YouTube

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Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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Respostas de 2

  1. Parabéns pela sua reflexão. Senti o mesmo que senti ao assistir o filme. Na primeira que coloquei para assistir fiquei com receios por causa das cenas de nudez, mas Hoje, dei outra chance ao filme. O relacionamento dele com a adolescente prostituta me comoveu muito – é muito difícil nos dias de hoje alguém fazer algo assim sem invadir a dignidade do corpo de uma pessoa e eu acredito nesse poder transformados de vidas humanas que é uma atitude com uma grande honestidade por trás dela.

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