Fiquei muito feliz ao receber o pedido de uma pessoa preocupada com um casal de amigos e desejando muito acertar. Sentia muito, pois eles perderam o primeiro filho e recentemente souberam do diagnóstico do segundo: autista.
Sou grata a este meu amigo do Facebook, por compartilhar seus sentimentos para ajudar quem sofre. Na década de 80, escrevi: ter amigos/é como ter a dimensão exata/do meu alívio. Ter amigos é uma bênção, especialmente quando são sensíveis aos nossos problemas, quando a empatia existe. Minha vida com meu filho autista me provou isso. Eu não teria dado conta se não fossem os meus amigos.
Um amigo com boa escuta, que compartilha alegrias e tristezas, avanços e dificuldades, é uma bênção.
Um diagnóstico desse tipo rompe com as expectativas de pais e de casal. A vida a partir de então nunca mais será a mesma, as prioridades serão outras, haverá outro movimento na família e na vida social. Pais sentem que perderam seus sonhos, ficam de luto e este sentimento é real.
O que fizemos para merecer tal dor? Pobres de nós!
Entre outros sentimentos, a vitimização é geralmente o primeiro deles. A sensação de culpa poderá vir junto. Tudo dependerá da maturidade dos dois que, a partir de então, terão que enfrentar o desafio de cuidar de uma criança com características especiais.
O diagnóstico até poderia não ser autismo, ainda tão estigmatizante. Poderia ser qualquer doença, outro transtorno do desenvolvimento, síndromes, deficiências, paralisia cerebral, qualquer uma delas exigiria dos pais um cuidado intenso e diário.
Sentir-se vítima por algum tempo é normal. Deprimir-se é o perigo. Um amigo presente sente e dá o alerta, pois a vontade de morrer, de enlouquecer ou fugir não são incomuns. Ele poderá indicar um nome, agendar uma consulta, ser companhia na primeira vez, informar de um site que possa ajudar, de uma associação, auxiliar na busca de apoio e suporte. Alertar alguém da família dos pais sobre sua preocupação pode ser necessário até com urgência. Para isso, caso o atendimento não seja imediato, conversar com alguém do Centro de Valorização da Vida (188) poderá salvar sua vida.
Os pais lembrarão sua dor a cada encontro com os amigos, perceberão se os amigos se cansarem de seus problemas familiares, suas queixas, seu desânimo em momentos que antes eram de diversão. O cotidiano familiar terá esses movimentos, como aqueles que se repetem desde que a criança acorda… quando é preciso dedicação e toda a paciência. E como isso esgota quem cuida!
O valor do conforto amigo
São raros os amigos que desejam saber como agir para acolher pais, seus amigos com filhos atípicos. A maioria se afasta, seja porque as prioridades do casal passam a ser outras, seja porque não conseguem administrar o estresse desse cuidado.
O cansaço dos pais é natural. Sono irregular, novidades que surgem, correrias entre a casa e o trabalho, despesas que aumentam. A diferença é que esse filho mudou seus planos, torna-se uma incógnita futura e não sabem como administrar.
Há amigos que sentem compaixão, mandam mensagens vez ou outra, mas nunca mais aparecem. Eram amigos de verdade? Mensagens não são a mesma coisa que o abraço, que ser lembrado com carinho.
Outros não convidam mais para encontros (afinal, esses pais agora faltam tanto que nem parecem ser parte do grupo). Esses amigos até podem compreender, mas pouco, e com o passar do tempo se afastarão! Eram conectados em interesses mútuos, não em solidariedade e humanidade.
Aqueles que não suportam a dor do outro ou nem se importam dizem: tem tanto recurso… isso com o tempo se resolve… jogando para o futuro mágico, desconsiderando que a vida é o cotidiano com alegrias e frustrações. Não darão importância ao sofrimento do casal e estar com a criança nem pensar, esperarão que Deus tome conta dessa família, jogando a responsabilidade do próprio afeto para outra dimensão. Isso se chama abandono.
A vida social
Com o tempo, o casal percebe que os assuntos do grupo de amigos não são mais tão importantes para eles, que tem dificuldade para rir das mesmas bobagens: são os seus valores que mudam com o empoderamento que vem da experiência única: a de ser pai e mãe. Os amigos não terão condições de avaliar e nem de compreender o tsunami que define a sua demanda diária e o quanto o mínimo avanço é considerado uma vitória imensa.
Quem sobra? O casal, pilar de sustentação da família, que corre o risco de se separar devido à vida social que perde, a tanto estresse e ao descaso de tantos. Eles precisarão muito um do outro e, quanto mais próximos estiverem, quanto mais chorarem abraçados, mais fortes se sentirão e menos sofrido será o caminho. Na troca de preocupações e medos, quantos soluções poderão encontrar?
Quando se tem um filho especial, a tendência natural é o afastamento do casal, que se sobrecarrega e cansa inclusive quem estiver por perto. É tanta a agitação… No entanto, tudo na vida tem dois lados: o bom e o ruim. Dar-se conta de que uma nova construção é importante, compreender este movimento positivo em relação à nova estrutura familiar não é o comum. Pode ser que isso demore, perceber o que existe de bom vem com a persistência: é quando se observa o que gera resultados.
O amigo pode trazer esperança, lembrar da caminhada e dos avanços, de como conseguiram compartilhar a vida, que é o que importa. Valorizar e agradecer o que se tem na mesa, o alimento feito com carinho, a saúde para cuidar, os recursos para estimular seu desenvolvimento… amor, abraços e carinhos, compreensão da pessoa que se ama.
Informar os recursos públicos disponíveis, ajudar a pesquisar escola inclusiva. O amigo poderá dizer: Veja! Se não há nada de bom – neste momento porque a vida é dinâmica, estou aqui para dar um abraço. E dá o abraço! Abraços acolhem histórias, causam alívio emocional e não custam nada!
Era e ainda é muito bom quando um amigo traz possibilidades, informações, compartilha outros assuntos, desvia o foco da tristeza! Tudo é carinho e vale agradecer. Ser lembrado pelos amigos é uma alegria, uma bênção.
Tudo passa!
Quando eu era muito jovem, as cartas que chegavam na minha caixa de correspondência enriqueciam minha vida. Um suporte inestimável, pois meus sentimentos eram jogados no papel, eram curadores através de minha escrita. Suas cartas eram como um abraço em noites tristes, frias e ter a carta concretamente dentro de minha bolsa. Cartas eram salvadoras, era o seu afeto e colo, que poderia ficar dentro da minha bolsa.
Neste século, a comunicação é muito mais fácil, mas tão volátil, tão sem corpo… Nada os substitui, a importância do corpo e do abraço dos amigos é preciosa, pois reduz a solidão, a dor do abandono e de corte em suas vidas pode ser amenizada. Pequenos gestos, delicados e respeitosos à sua dor, a constância no carinho, a lembrança do afeto profundo são fundamentais.
Hoje aprendi a dizer: a cada dia o seu leão – dia que reiniciará amanhã. Um dia é muito na vida dos pais que enfrentam essa batalha tão difícil!
Minha história familiar, você pode encontrar aqui. Quando meu filho autista tinha 26 anos, minha família estava muito esgotada e acreditávamos que nada mais poderíamos lhe ensinar. Terminara a escola fundamental, com bullying e sem inclusão, dedicáramos muitas horas diárias durante seus anos de escola, atendimentos, cuidados e os outros irmãos também sofriam.
De lá até hoje, a medicina avançou, novos medicamentos surgiram, as políticas públicas trouxeram alentos, e agora ele adquiriu cidadania acompanhada, é um vitorioso. Tenho certeza de que isso é devido ao que enfrentamos juntos!
Passamos a dar mais valor às coisas miúdas, um gesto nos enriquece, os avanços nos enchem de esperança. Qualquer informação pode ajudar… se for verdadeira! Cuide-se das fakenews, dos achismos, do que não tem fonte correta, pesquise em site oficial).
Minha mãe, minha maior amiga, disse-me num momento em que meu cansaço era maior que minha esperança: Minha filha, tudo passa! Passou mesmo.
Tenho certeza de que sobrevivi porque também tive amigos! Porque recebi aquele abraço! E porque eles crescem, suas condições se estabilizam. Não percamos a esperança, pois será ela que permitirá o futuro.
E não é que encontrei meus sonhos?
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MARILICE COSTI é arteterapeuta, escritora, arquiteta e artista plástica. Trabalha com Oficinas arteterapêuticas, de criatividade e de literatura desde 1995. Criou as capas da revista O Cuidador, da qual foi editora-chefe durante 7 anos. Dá palestras e ministra cursos. É mãe de um autista adulto e vem se dedicando à Arteterapia há mais de 20 anos e à familiares de pessoas especiais desde 1996.É autora premiada com Açorianos de Literatura/ RS, em 2006, foi finalista em mídia impressa no Prêmio Brasil Criativo em 2014/SP, Prêmio Trajetórias Culturais RS, 2021, e outros prêmios. Aqui seus livros.
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Publicações de Marilice Costi
– A fábula do cuidador (ficção para dar suporte ao cuidador)
– Como controlar os lobos? proteção para nossos filhos com problemas mentais
– O abraço, mais que acolhimento (Artigo) Se deseja o pdf, solicite através do nosso contato no Menu.



















Respostas de 9
Este ensaio é um daqueles textos que nos obriga a dizer algo. Releio e não tenho nada a dizer, nada a acrescentar. Só lembrança de uma parte da letra daquela música que fala “é preciso ter coragem, sempre”.
Uau….amei seu artigo Marilice. Sou Raquel, tenho 51 anos e terminei minha segunda graduação (Pedagogia) e tenho pensado muito em cooperar com as mães atípicas, mas nao sei como começar.
Lendo eu artigo maravilhoso, estou convicta de que essa é minha missão… Quero conversar mais com você para dar sequência nesse lindo e desafiador Propósito.
Aguardo seu retorno.
Raquel, retornei teu e-mail, mas a tua caixa de e-mails retornou, pois está cheia. No contato na barra do menu do site http://www.marilicecosti.com.br encontras meus contatos todos. O WhatsApp.
Obrigada pelo seu carinhoso retorno. É para isso que escrevo.
Parabéns Marilice!
Eu trabalhei certa época na Semeato da rua Camilo Ribeiro, bairro S. Cristóvao. Acho que conheci seu pai. Passava em frente o frigorífico. Uma vez quase entrei para pedir uma oportunidade de trabalho. EU devia ter feito isso. Embora escreve sobre seu Costi muito bem… gostaria de saber mais sobre sua mãe e da relação dela com APAE DE PASSO FUNDO. Entidade que dizem alguns passofundenses ter sido muito importante para Dona Alice. Que bom coração teve sua Mãe.
Seus textos sao ótimos, gostosos de serem lidos.
Parabéns para nossa escritora passofundense.
Olá, Seu Luiz, é um prazer falar com você. Encontrará muita coisa da minha mãe na internet. Pesquise APAE Alice Sana Costi. Ela faleceu há anos. Sempre fazendo tudo que pode pela APAE. No FACEBOOK há uma página em homenagem a ela. Nos meus videos – entrevistas ou palestras – seguidamente cito o seu exemplo. Você encontra meu contato no Menu do site.
Muito obrigada pelo seu carinho.
Excelente texto!
Tenho um filho autista de 30 anos e sei muito bem o que é isso!
Muito verdadeiro!
Excelente artigo que merece ser compartilhado bastante. Traz luz para a difícil tarefa de cuidar de filhos, especiais ou não, e nos estimula a apoiar nossos amigos.
Encontrei em Marilice uma escrita sensível, com uma abordagem complexa envolvendo os diversos aspectos que a sua proposta apresenta. Filhos especiais puxam mais e mais as boas qualidades da nossa alma, e os pais são por sua vez também especiais. Marilice com reflexões muito humanas nos remete a uma forte empatia, nos colocando no lugar dos pais de seus desafios, alegrias e oportunidade de exercer esta grande doação. Parabéns!!!
– Uma vida exige amigos, sensibilidade e coragem! Amigos para compartilhar dores e alegrias …oferecendo seu ombro, companhia e cumplicidade. A sensibilidade para vermos resignados o que a vida nos oferece para viver e para sonhar. Coragem para enfrentarmos dias difíceis e noites de angústia. Não existe mal que nunca acabe e nem felicidade eterna. Viemos para esta jornada e teremos que estar prontos para o que der e vier. Élvio Vargas