O casamento de Antônio Frederico Knoll com Dulce Magdalena Costi, minha irmã e madrinha de batismo, aconteceu quando eu tinha três anos. Meu cunhado gostava de contar sobre a minha infância, tempos em que eu era “doce de pera” das irmãs com seus namorados.

Thé, como era chamado na família, tinha sempre o que contar e seus “causos” divertiam e ensinavam. Era amigo e fazia falta nas festas, trazia a alegria com piadas inteligentes e sarcásticas, comentários inesquecíveis.

Sempre com bom humor, Knoll me ouvia atentamente, depois contrapunha seus argumentos e me ensinava a pensar e a desenvolver meu raciocínio crítico, econômico e social. Suas posições diversas da minha nunca foram motivo para romper a amizade. Era um democrata e sabia o que dizia, pois conhecia as leis e as praticava.

Como professor universitário na Faculdade de Direito na Universidade Federal de Santa Maria lecionou na área dos Direitos Humanos, do Direito Civil e Constitucional e era perito em questões sobre a democracia.

Nada é perfeito, mas o importante é não descansar sem descobrir o fato, a verdade. – Knoll era consciente da importância de seu trabalho ao julgar, pois decidia a vida da pessoa com uma sentença, pois atuou como Juiz da Brigada Militar.

Quando o casal veraneava na praia de Atlântida, Dulce sempre carregava uma sacola, onde colocava o lixo que recolhia durante suas caminhadas na orla. Eu era sua fã! Ai de que alguém a criticasse! Ela parava e dava uma aula sobre o respeito com a natureza, a falta de educação das pessoas e descarregava a sua indignação com políticos, com a população, com os pais que não ensinavam as crianças. Minha irmã cursara magistério e lecionara.

Dulce e Thé eram cúmplices de viagens, de festas, dançavam tango muito bem. Eram pé de valsa e ele a presenteava. Sempre viajavam. Ela valorizava muito o marido, admirava o seu conhecimento e o elogiava até para mim.

Quando ambos faleceram, nada substituiu as suas visitas. Quando vinham a Porto Alegre, minha casa era uma de suas paradas para o chimarrão, a leitura do jornal e grandes papos. A vida era para ser alegre e divertida – era o lema do Seu Knoll. Era prazeroso preparar a refeição para recebê-los.

Quando Dulce me falava de suas tristezas teria que o fazer longe do marido.

Tristeza traz pensamentos mais tristes. Temos que alimentar a alegria sempre – dizia.

Lastimo não lembrar suas expressões, frases de políticos, de filósofos, de tantos estudiosos que o construíram no seu desempenho no Direito. Tinha o dom do professor.

Dulce chegava sempre com algo para me presentear e não esquecia da afilhada em suas viagens. Eu amava suas ligações no meu aniversário e Dia das Mães.

Compartilhar a vida e suas peculiaridades, a política e as bobagens, rir com quem gosta da gente é sempre faz bem.

Em um desses jantares em família, papai me disse olhando nos meus olhos: Minha filha, quando eu tinha a tua idade fui incendiário, agora sou bombeiro – e sorriu. Homem de poucas palavras, encerrava suas participações nas conversas com o último verso de um poema. Papai prestava atenção até certo ponto – creio que se orgulhava de mim – mas se cansava. Pedia licença para se retirar e dava boa noite. Largava o guardanapo sobre a mesa de jantar. Seu dia sempre iniciava bem cedo.

Fui oposição ao pensamento do Knoll por um bom tempo. Com a maturidade, compreendi que nossas opiniões tinham similaridades. P

Thé e eu ficávamos ali por mais tempo, um tentando convencer o outro. Ele ponderava o que eu dizia e eu o ouvia, pensando no novo argumento que eu teria. Ambos querendo acertar e ganhar a aposta no discurso.

Eu me sentia aceita – a transgressora a questionar desde Deus, a liberdade sexual, o feminismo, a literatura, a esquerda e a direita, lutas estudantis, direitos e leis na ditadura, …os desaparecidos, o que só se podia fazer em ambiente seguro. O perigo rondava as conversas políticas. Ali, eu me sentia a dona da verdade (sic)… – apesar da cara feia de minha mãe, que não suportava meus questionamentos.

Knoll foi fundamental em nossas festas familiares, com seu pensamento democrático e as piadas ao molho do vinho. Convivemos décadas, o governo dando voltas até as Diretas Já! e, entre um plano econômico e outro amadureci, desenvolvi o pensamento nos estudos e passei a fazer conjeturas mais complexas… tantas variáveis… Agora somemos os algoritmos a destruírem nosso sistema cognitivo coletivo, a influenciarem o raciocínio, a uniformizarem o inútil e a induzirem ao excesso de consumo. As relações humanas tornaram-se um click, breves diálogos no WhatsApp e um monte de informações de discutível veracidade através de julgamentos sumários e sem consistência na verdade.

Thé e Dulce foram eternos apaixonados. Valorizaram a família e a amizade. Sou grata por ter convivido com eles.

Knoll escrevia cerca de duas laudas, quando homenageava o amor de sua vida, contava causos das cidades de Passo Fundo ou de Santa Maria, relatava viagens, encontros com amigos e alunos. Puxava o papel da máquina de escrever e ia fazer xerox para enviar a uma longa lista de amigos.

1) O amor é tão amplo, profundo e caprichoso que, às vezes, tenho medo de não saber amar.

2) A vida familiar é a melhor célula, com seus altos e baixos, a célula social verdadeira. Mesmo, porque resulta do que o amor fecundou. Nada supera o amor, mesmo com as suas incógnitas e suas surpresas. A vida familiar não é um mar de rosas, mas nela ocorre o melhor dos sentimentos que do coração verte até hoje.

3) As estrelas dessa constelação que me rondam na noite que se espreguiça louca, torcem para que o sol apareça logo para poderem dormir, já que o amor passou de ronda, enquanto o sol dormia…

Antônio Frederico Knoll

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Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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Respostas de 2

  1. Que lindo texto. Conviver com pessoas tão expressivas assim nos fortalece. Agora só saudade, é próprio do amor q gera pertencimento e eternidade. Amor em movimento, sinal vital.

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