Há tempos quero ficar comigo mesmo para poder criar, mas minha criatividade está coberta de uma tristeza profunda pelo meu país, por este desgoverno, por causa de amigos que perdi. Cada um deles me tornava importante e me fazia mais completa: um, me escrevia de Portugal e me colocava a par dos acontecimentos do país e de suas artes; outros, eram da Literatura, da Medicina, do Direito, da Música, do Amor… Mesmo que não concordássemos sempre uns com os outros, eles estavam ali, permanentes, independentemente do que eu gostava ou deixava de gostar, Conversávamos sempre aprendendo e compreendendo melhor a vida. Nosso afeto sempre foi superior a todas as diferenças políticas ou socioeconômicas, Respeitávamos incondicionalmente e gostávamos de discutir muitos temas, opinávamos sobre política e filosofia, sobre livros, sociedade, o movimento dos tsunamis. Éramos partes de um mesmo bolo, independentes e  unidos. O todo era com permanente amálgama de afeto.

Se continuar a pensar nos que se foram – quem se lembra dos mortos está a fazê-los viver – viajarei para meus 30 anos, quando meus pais eram vivos e ficavam felizes com minha chegada em Passo Fundo, a fábrica funcionava sem prever as alterações importantes econômicas e industriais com a informática, dando fim à mecânica nas indústrias. E encontrarei Clarinda, a sorrir, pronta para o fofo e adocicado colo, o olhar azul tão límpido!

Então, meus olhos serão todo um mar.

Quanto mar sobrará, se nesses meus momentos de luto tardio – a sensação é que esses lutos não terminarão? Esta pandemia reverbera em nossas memórias todos os dias. Como segurar o mar? Já perdemos mais de três Maracanãs repletos! E, nas últimas 24 horas, mais de 3 mil brasileiros morreram, nossos irmãos!

Como estar com essas famílias para lhes dar um abraço? Estamos com tantos sonhos impossíveis. Como estar nesses hospitais para acolher assa gente valorosa do SUS, os coveiros a enterrarem sem parar? Essas pessoas têm enorme responsabilidade e são dedicadas ao extremo no meio de dores dificílimas de carregar.

O meu luto é tão ínfimo, tão menor, tão pequenino na minha humanidade e se une ao luto de tantos.

Gostaria de ser mais religiosa a desfiar as contas de rosários sem fim direcionados aos céus em busca da solução para tantos descaminhos.

Queria ser uma supermulher para salvar o mundo, tanto desejei ser!

Sou frágil, preciso da resistência, preciso levar adiante a resiliência!

Que minha palavra encontre a você, este ser humano com nome e sobrenome, que está ali, no outro lado do vídeo, a percorrer hospitais, a esperar por respostas.

A Caixa de Pandora está aberta e precisamos encontrar o precisamos para seguir lutando: a esperança!

Estou com você!

Fique em casa, é preciso parar o vírus!

Marilice Costi

Especialista em Arteterapia (AATERGS 072/0808), professora e escritora. Prêmio Açorianos Poesia – 2006 com o livro Ressurgimento. Prêmio Nacional Mário Quintana – conto – primeiro lugar. Finalista em mídias impressas para a revista “O Cuidador” (2014) no Prêmio Brasil Criativo , em São Paulo.

Seus primeiros escritos foram publicados em 1994, no jornal Tchê e no Correio do Povo. Aqui todas as suas publicações.

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@Direitos autorais reservados.  Porto Alegre, 23.03.2021 – 16h40

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O QUE É?

Caixa de Pandorada mitologia grega, é a caixa onde os deuses retiveram as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a discórdia, as doenças do corpo e da alma. Ela foi aberta e ali havia um único dom: a esperança.

 

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Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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