Arquetípica resiliência do sul
no Rio Grande se espalha
remexe parte de mim em tempo de ser forte
e acolho lugar e memória

Décadas de megafone - tantos surdos!
Deus também cansa do desamor

o asfalto do descaso engoliu sarjetas
vedou bocas, antes de lobo,
hoje gargantas que engolem um todo

o cenário é de guerra
espelho de coletivo adeus
Deus brasileiro?
o abuso de tantos
que invocaram sua palavra em vão

o Rio Grande sangra
no varrer das águas, são veias
e carimbam o mapa dos corpos

tudo chora mais que eu,
no soluço eterno das casas outrora seguras
colos procuram abrigos
colos se esparramam

olhos bloqueiam a palavra
oceano impotente frente à fúria
de quem tanto já sangrara

erguem-se mãos em rosários
mães suplicam por Maria
e reivindicam: Deus! Volte!
Esquecemos o caminho.

enquanto o fluido da vida regurgita
busca o equilíbrio e quer o antigo leito
as águas revolvem interiores
as almas se estraçalham

mas geram correntes que se fundem
em corações que se abrem solidários

Sirenes! Holofotes! Vozes!
Tudo é grito que se move
aves descem do céu, golfinhos singram as águas, anfíbios enfrentam o solo
universo de invisíveis cuidadores
que o tempo todo aporta



Marilice Costi
Porto Alegre, enchente em maio de 2024.
Imagem: Arquivo Pessoal.

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corações
Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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Respostas de 16

  1. Dramático em excesso.Os dramas reais não sejam passiveis de poemas épicos.
    Mas…valida tentativa de retratar de forma erudita, o que nas simples almas clamam por socorro.

  2. Emocionam as palavras fortes saídas de uma alma sensível que olha ao seu entorno. Nada fácil encontrar a expressão precisa do que se vivencia no RS. Muito carinho e afagos.

  3. A tua poesia grava na memória do povo gaúcho um triste epsódio na História do Rio Grande do Sul. Tua poesia é também fonte histórica.
    Parabéns por expressar tão bem essa comovente parte de nossa história.

  4. Texto bem escrito, trazendo a realidade do que estamos passando, mas vamos dar a volta por cima. Fica aqui meu carinho.

  5. Marilice retrata um sentimento que engasga o nosso peito.
    Seu texto “ pinta” o quadro da adversidade que estamos vivendo.
    “ o boeiro que engole nossos sonhos” expõe uma realidade triste, mas verdadeira.
    Sensibilidade explícita.🌺

  6. Marilice, o poema diz o que não vemos, de forma profunda . A vida subtraída ao asfalto/lama entre lacunas que escorrem lágrimas…
    Uma arquiteta, poeta é de se esperar tão belo poema!
    Do meu entendimento de, também poeta, fico lisonjeada pela importância que seu poema presta aos/às gaúchos(as).

  7. Em Oração pelos seres vivos que foram.
    Em Oração pelos seres vivos
    Pelos olhos que enxergam
    Pelos ouvidos que ouvem
    Pelos corações que fortes ainda buscam,
    Que os gemidos sejam ouvidos!
    Que os Céus e os viventes de boa vontade ouçam!
    Abraço com carinho, pelas palavras
    Pela dor
    Pelas batidas de um coração
    Em uníssono.

  8. A dor, as lágrimas, o amor a compaixão faz jorrar em você Marilice suas cores …. Ainda em tons de azul ! Gaúcha das bravas tu és 🌻

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