Memórias de Marilice: Como tudo começou – 1/3

Eu estudava Arquitetura na Unisinos, quando me armei de coragem e entreguei um de meus textos ao professor Antonio Hohlfeldt.

– Este conto está muito bom, Marilice. Envie para o Concurso Nacional de Contos Mário Quintana de Alegrete – disse-me e mostrou-me o edital.

Confiante, datilografei o conto com redobrado cuidado, coloquei-o em um envelope e levei ao correio. Após a lambida no selo, coloquei-o na fresta da Coleta. E a vida corrida, entre filhos e faculdade, seguiu.

Semanas depois, recebi um envelope com timbre da Prefeitura Municipal do Alegrete. Lembro de ter respirado fundo e ido ao meu quarto, onde deitada na capa o abri. A carta informava que meu conto obtivera o 1º lugar no tal concurso nacional e eu era convidada a ir ao evento solene da premiação. E eu ainda receberia um cheque, que chegava em boa hora.

Meu primeiro prêmio!

Eu não acreditava e lia e relia a carta que tinha em mãos. Contei a minha família e iniciei os preparativos para ir.

A viagem ocorreu um dia antes do evento. Porto Alegre até Alegrete é um longo caminho. Fomos de ônibus e meu filho Demétrio, ainda um garoto, aguentou as sete horas de estrada muito bem. A Secretaria Municipal de Cultura nos aguardava na rodoviária e nos recebeu com muito carinho. Dormimos em sua casa.

A entrega dos prêmios

Na noite do evento, o poeta Mário Quintana, os jurados, o Prefeito, a Secretária de Cultura e autoridades estavam à mesa e a comunidade alegretense lotou a sala.

Recebi um troféu de bronze, uma obra de arte que eu mal conseguia segurar e que hoje me observa do móvel na sala. Também recebi um diploma e um envelope com o cheque assinado pelo Prefeito, Antonio Dorneles Faraco.

No dia seguinte, a festa continuou em um almoço festivo. A mesa estava farta: carnes diversas entre outros pratos típicos da região campeira, regada à bebida e muita conversa. Após a sobremesa e um tantinho de prosa durante o cafezinho, chegou a hora de retornar para a capital.

O retorno

Meu filho e eu nos acomodamos no banco traseiro da kombi branca, o padrão oficial das prefeituras daqueles tempos. Mário Quintana, o poeta ilustre, viria junto, o que muito me honrava. Para minha surpresa, o poeta decidiu sentar-se a meu lado e José Edil de Lima, um dos jurados, acomodou-se no banco ao lado do motorista.

O dia estava nublado e prometia chuva. A viagem teve início e os campos compuseram a paisagem que parecia não ter fim. O dia estava nublado e a chuva viria, era o que os céus programavam.

Durante a viagem, a conversa não foi daquelas de fazer o tempo passar. O poeta, minutos depois da saída da cidade, acendeu seu primeiro cigarro, dando início ao maço que terminou quando chegávamos. Um após o outro, o isqueiro fazia chama. A kombi não tinha ar-condicionado e, quando a chuva começou, foi preciso fechar as janelas. E nada do toró passar.

Meu filho começou a tossir, minhas narinas ficaram inchadas e a rinite alérgica se apossou de nós. Não adiantou demonstrarmos desconforto, informar ao fumante que não conseguíamos respirar, nem a tentativa de José Edil surtiu efeito. O motorista nada dizia, devia estar acostumado ao fumacê.

Demétrio sofria mais que eu com a chaminé do poeta, que nem se importava. Quando lhe pedi que parasse de fumar, ele sacudiu os ombros e disse: o problema é de vocês!

E a chuva nos acompanhou durante sete horas.

A chegada

Quando avistei Porto Alegre, senti enorme alívio. O poeta ficou no seu hotel-moradia e prosseguimos.

Aspirar o ar puro e fresco de meu bairro foi maravilhoso. Minha respiração foi profunda ao colocar meus pés na calçada da rua. José Edil saiu do carro para nos despedirmos e perguntou-me se eu escrevera outros contos. Contos? Não, este foi o primeiro – respondi-lhe. Tenho muitas poesias.

– Gostaria de conhecê-las – disse-me. E combinei de lhe enviar.

Fiquei aborrecida com o poeta. Cada vez que seu nome aparece, a memória me lembra daquele desconforto.

Como tudo tem o lado bom, isso prova que ainda tenho memória.

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Continua aqui.

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Marilice Costi é escritora, poeta, contista. Especialista em Arteterapia e Capacitada em Neuropsicologia da Arte, é graduada em Arquitetura e mestre em Arquitetura pela UFRGS. Publicações: livros e artigos. Foi editora da revista O Cuidador.
 
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