Fiz esta pintura na época da ditadura. Não se confiava em ninguém. Jornais substituíam as matérias censuradas por poemas ou retângulos pretos. Se os censores passassem o olhar e negassem, não havia como recorrer. As casas eram invadidas e as pessoas sumiam nos porões do DOPS, sem que a família soubesse onde estariam.
A liberdade é uma necessidade vital.
Hoje me entristeço com a sensação que se renova.
Na Faculdade de Belas Artes de Passo Fundo, após o vestibular, eu voltara a escrever e desenhar.
Eu caminhava pelo pátio da fábrica de meu pai, quando meu olho fixou-se em uma pequena janela de ventilação do porão.
Necessitei pintar. Era 1972, dei-lhe o título: Onde andas liberdade.
Em 2007, visitei uma exposição sobre os tempos de ditadura argentina no Palais de Glasses, em Buenos Aires. Na parede de entrada, as palavras do Diretor: “E é por isso que [os artistas] são mortos nas ditaduras.” Foi então que entendi a quantidade de artistas e escritores assassinados na América Latina.
Encontrei a imagem feita com pastel oleoso, que julgara perdida. Minha sensação é a mesma de quando a pintei. Liberdade, para aonde vais.
Mas a imagem me questiona: Liberdade, para onde vais?
Procuro palavras para a resposta. Tão difícil… Mas, aos poucos, aqui e ali, chegam sinais vindos de todas as direções, que se unem em milhares de vozes em uníssono. Índios, negros, amarelos e brancos, de todas as classes sociais, do campo e das cidades, empresários, operários, ambientalistas, cientistas, LGBTs, profissionais, estudantes, crianças… São tantos que não consigo vislumbrar o horizonte, pois está coberto de mãos que me abanam e cantam.
A voz agora é universal! E traz palavras que preenchem meu coração:
Largo o texto, coloco o tênis e corro para rua na direção do horizonte.
_________________________
Música: Todos juntos – (Os Saltimbancos – Chico Buarque)
_________________________
MARILICE COSTI
Escritora, palestrante, Espec. em Arteterapia, Mestre em Arquitetura (UFRGS), criou e editou a revista O Cuidador (2008-2015), finalista no Prêmio Brasil Criativo. Prêmio Açorianos 2006 com Ressurgimento, tem muitos livros publicados, entre eles, A Fábula do Cuidador, Como controlar os lobos?, Tempos Frágeis… e outros. Diretora de SANA ARTE.
Aqui suas publicações.
Acesse aqui seu blog e opine sempre abaixo de seus textos, é simples e rápido.
Uma resposta
Voltamos aos anos de chumbo…só com a nossa união e resistência poderemos derrubar esse sistema e essa direita que ficou hibernando esse tempo todo ….esperando a hora de acordar e voltou faminta!!