lilases floradas em outubro
iluminam a minha paisagem
entre o singelo e o espanto
ao encontro do olhar
o frágil jacarandá
entreolho o trânsito a perseguir o tempo
num movimento sem sentir
e ser
há impotentes a pedirem proteção
há descuido, o abandono
um caos de décadas, justificam
é cego quem não quer ver
a exclusão escrachada
estampada na própria retina
nem a vida dos sem self
entre contêineres
desarranjos e vômitos nas calçadas
terceirizados, os asfaltos
comeram bocas-de-lobo
roubaram meio-fios
facilitam novos caminhos
das àguas às portas
há homens, muitos
a escarafuncharem lixo
e suas mãos se espalham
entre vidros, papéis, metais
nas sobras do que foi vital
minha cabeça lateja
doem-me os pés
agora, meus olhos param na bunda da mulher
na mancha ressecada e rubra
que a ela nem mais importa
e ela segue
minha arcada revive entre dentes
traz o tempo do medo
das vozes sem voz
da fala, do tom baixinho
tenha cuidado, minha filha
tens as crianças
- há memória, não há caduquice
e há cortisol que se espalha
no continuum
sanduíche público-privado
enterra-se urbanistas
no cronificado desamparo
enquanto milhares
sem chapéu de palha
de quadra em quadra
mais se espalham
e os votantes sentem medo
de gente mais que sofrida
dos que limpam seus lixos
espalhados na cidade.
Marilice Costi
Nota desnecessária da poeta aos desatentos:
Eleições Municipais: 27 de outubro de 2024
A criação do poema teve início na esquina da rua Santana com avenida Ipiranga
em 23 de outubro de 2024 - 16h e terminou em 26 de outubro de 2024 - 23h
Respostas de 13
Não ando na rua dessa realidade, mas de uma forma ou outra , as ruas da invisibilidade estão aí na estrada da vida que palmilhámos em qualquer lugar do planeta- os sem voz para clamar dignidade e nós – eu – quando calam a voz da empatia com a indiferença. Mas, há sempre um mas… que traz esperança quando gestos em forma de arte nos chamam a lugares aonde coração e mãos se podem tornar visíveis…
Portugal
Parabéns Marilice. Belo poema mostrando a triste realidade dos “invisíveis ” em nossa cidade.Bjs.
Sim, Marilice, os jacarandás e seus lilases de outubro encantam o nosso olhar, mas ao redor deles, cada vez mais, a miséria se multiplica e não deixamos de nos espantar, aliás quando deixarmos de nos espantar, haverá algo errado conosco. Belas reflexões, parabéns! Beijos
Gosto do contraste entre teu olhar sensível, teu texto delicado e a brutal e feia realidade de nossa cidade tão belamente denunciada e retratada.
Medos…
Os lilases do jacarandá apaziguam
Lindo poema! Sempre consegues com a escrita mostrar o que é invisível! Parabéns!
Um olhar sem cascas para a triste verdade que nos rodeia. Parabéns Marilice pelas fortes e belas palavras que transmitem o que muitos não querem enxergar.
Sim Marilice os jacarandas teimam e nos embelezam com suas pequenas e fortes flores lilases e sobrevivem as queimadas ao ar impuro as breves chuvas e as tempestades q circulam este dia de votar nas grandes e pequenas cidades de nosso país . O grito dos sobreviventes está em todo lugar …no lixo nas calçadas nos parques nos escritórios, ainda bem que temos seu olhar exigente sobrevivente e que traz a poesia para expressar e mostrar o nosso olhar indignado sobre tantos lixos camuflados de justiça defesa proteção segurança . Continue Marilice tomara seu olhar alcance o inalcançável por agora.
Parabéns, Marilice Costi, pelo teu corajoso e contundente poema CAPITAL URBANO no voto.
Perfeito! A mostrar o povo invisível que ainda teima em se manter vivo. Os votos certos poderiam mudar isso. A poesia é linda e quando engajada, indispensável.
Marilice, arquiteta, urbanista e poeta , vive o pulsar da sua cidade com humanismo e indignação. Vē o belo do jacarandá contrastando com a vida dos que perambulam pela indiferença das administrações ao longo da história.
Especial, minha amiga Marilice. Poesia explicitando a vida de muitas de nossas cidades. Uma pena que seja assim. Mas o olhar do poeta também existe para a denúncia. Bjs.
Excelente memória de um período histórico na capital dos gaúcho [mas poderia ser em qualquer outro lugar deste desgraçado planeta, onde não faltam catástrofes naturais – provocadas pelo homem – e guerras cruentas onde os desfavorecidos vivem e morrem na maior miséria: a provocada pela falta total de empatia]. Como reagir a tudo isso? Eis a questão, minha cara Poeta, que estou longe de imaginar se tem soluções.