Literatura
A mulher entrou no Centro de Saúde tendo ao colo um bebê. Cabeça enorme e desproporcional para a idade, o olhar fixo na face da mãe, a boca aberta e a ausência de dentes. Inerte como um saco de farinha, ser sem voz, sem choro. Enrolado em um cobertor, vestia luvas. Talvez cobrissem deformações.
Era dia de vacinação e muitos aguardavam a sua vez.
Após subir a escadaria, a mãe se acomodou no único lugar vazio do banco de madeira sem encosto.
Pouco depois, foi chamada. A gotinha. A criança não a deglutiu, apesar do carinho na voz materna e o pedido que a engolisse.
Sua expressão sorridente na tentativa de se comunicar com o filho de nada adiantou. Não havia outro jeito. Então, apertou o nariz da criança para impedir o ar às narinas. Foi quando vida e morte preencheram a sala.
Foi quando muitos olhares foram compelidos na sua direção.
A mãe esperou alguns segundos para que a vacina seguisse rumo. Então, acomodou-se ao peso nos braços e pôs-se de pé. Deu alguns passos na direção dos degraus e, lentamente, seguiu na direção ao passeio público carregando seu fardo.
Marilice Costi
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NOTA – O texto foi escrito na década de 90 (séc. XX). Desde lá me dedico a apoiar quem cuida. Você encontra matérias sobre o tema do cuidador familiar de pessoas com deficiências neste link: Revistas O Cuidador
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Respostas de 2
Somente os bons cuidadores sabem definir como têm que dilacerar a alma, pra dar conta dos seus deveres e responsabilidades. Muitas vezes ainda são mal interpretados por outros que não tem consciência desta responsabilidade. Cuidar bem é expressão de amor. É entrega total do seu tempo e dedicação a parentes ou até mesmo profissionalmente. É expressão e doação consciente de amor…
Querida. Como viver sem olhar quem nos cerca? Grande abraço e meu carinho.