Aos seus 80 anos, Alice Sana Costi, trazia seu legado na ponta da língua: palavras poderosas. Seu valor exato ficou preso em mim em uma noite de inverno gaúcho. Passo Fundo estava como hoje na capital: o vento gelado, os movimentos contidos dentro de grossa vestimenta.
Alice ainda me acompanha em muitos momentos, na mãe e avó que sou. Muitas vezes, sinto o aroma de seus temperos e lembro dos seus ensinamentos: este é para carne, este no peixe, este no frango. Também percebo em meu corpo, as tantas semelhanças no envelhecer. Lembro de suas brincadeiras, das bochechas que roseavam com meio copo de vinho, das notícias. Lembras da Fulana? Eu não lembrava e ela a descrevia. Eu repetia a cada vez: Bem, se estás viva, estarás sempre me contando que enterrou alguém… Privilégio dos vivos… – E ríamos.
O afeto à mesa
Na tigela branca com florais dourados gastos de tanto uso, a sopa fumegava e acolhia a concha sobre a toalha escolhida para a mesa circular da cozinha. Era um universo de mãe que me aguardava. Os pratos estavam bem-dispostos, assim como os talheres e guardanapos e os apetrechos necessários para que nenhum movimento tirasse o foco de nossas palavras. O diálogo de quem recém chegara de longe com poucas novidades, não eram muitos os assuntos e as dores eram as mesmas.
Com o olhar atento de experiente maternagem, mamãe sabia que o acolhimento precioso era o seu abraço ao chegar, a sua escuta e o calor necessário para suportar o frio. Sabia que eu vinha cansada, a vida corrida entre os empregos, os filhos, as lutas para dar sustentação a tantas bases frágeis e vulneráveis. A minha exaustão era sempre evidente ao seu olhar leitor de comportamentos.
Minutos depois, ela perguntou-me dos netos. Foi no instante em que abraçava a bolsa de água quente. Suas mãos estavam sempre frias e sentia dores com a virada do tempo – as artroses, que lhe impediam de bordar, costurar, tricotar, do prazer de criar que lhe acompanhavam há muitas e muitas décadas.
Após a oração, a sopa aguardava as colheradas, o pão quentinho no cesto, a oração sagrada.
Contei-lhe então as mazelas que me acompanhavam, as decisões que tomara, a energia interna que me protegia da fibromialgia. Quando cansei-me de falar e o frio se ocupava em subir pelos pernas, ela lembrou que tínhamos que descansar. Sábia dos cuidados, repetia o valor do sono reparador, alimentando o corpo e o espírito. Abraçou-me e disse-me apascentadora:
– Minha filha, tudo passa!
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