Eduardo Galeano, escritor uruguaio, sempre tocou meu coração com seus escritos.
O parto
Três dias de parto e o filho não saía.
— Tá preso. O negrinho tá preso — disse o homem.
Ele vinha de um rancho perdido nos campos.
E o médico foi até lá.
Maleta na mão, debaixo do sol do meio-dia, o médico andou até aquela longidão, aquela solidão, onde tudo parece coisa do destino feroz; e chegou e viu.
Depois, contou para Glória Galván:
— A mulher estava nas últimas, mas ainda arfava c suava e estava com os olhos muito abertos. Eu não tinha experiência nessas coisas. Eu tremia, estava sem nenhuma ideia. E nisso, quando levantei a coberta, vi um braço pequeninho aparecendo entre as pernas abertas da mulher.
O médico percebeu que o homem tinha estado puxando. O bracinho estava esfolado e sem vida, um penduricaIho sujo de sangue seco, e o médico pensou: Não se pode fazer mais nada.
E mesmo assim, sabe-se lá por quê, acariciou o bracinho. Roçou com o dedo aquela coisa inerte e ao chegar à mãozinha, de repente, a mãozinha se fechou e apertou seu dedo com força.
Então o médico pediu que alguém fervesse água e arregaçou as mangas da camisa.
______________________________________
Pouco antes do escritor Eduardo Galeano vir a falecer, a publicação “O Parto” recebeu autorização para ser publicada na revista O Cuidador 19.
As Palavras Andantes é uma coletânea de narrativas curtas que entrelaçam poesia, crítica social e mitologia latino-americana. Com linguagem lírica e simbólica, Galeano transforma o cotidiano em encantamento e resistência. As histórias transitam entre o real e o fantástico, o sagrado e o profano, revelando personagens esquecidos, vozes populares e sonhos despertos. O livro é um convite à reflexão sobre a dignidade, a memória e a utopia que caminham com quem lê.



















