– Preciso tomar um café! Vamos? Senti na voz que aquele convite tinha algo mais. A mãe precisava conversar, precisava mais que meus ouvidos, parecia exausta. A mãe aceitara seu filho em casa novamente. Queria tentar mais uma vez morar com ele. Eu a avisara dos riscos, ela já sabia. Mas seu cuidado poderia auxiliar, ela acreditava, pois já conhecia as dificuldades com esse o transtorno. Preciso tentar, repetiu, se não der, vou mudar a rota total. Mas tenho que tentar, ele é meu filho!
Há aproximadamente um mês, ele fora internado. Em quinze dias voltara para casa. A mãe sempre com esperança. Nunca podemos tirar a esperança de uma mãe!
*
Fiz um chá e um café para aguardá-la. Pensei que o café fosse apenas um motivo para nos vermos. O chá seria mais adequado? Talvez fosse preciso acalmá-la.
Ao chegar, observei que estava de óculos grandes, camadas de base, manchas… Após nosso abraço de sempre, rapidamente foi sentar-se. Estava muito tensa.
– Ontem, disse-me ela respirando fundo… lhe faltava o ar. – Ele me esbofeteou duas vezes, quebrou um ventilador, ameaçou me matar… – e foi quando tirou o óculos e vi o seu olho inchado, o rosto… as marcas. E pensei imediatamente em levá-la na Delegacia da Mulher. E fomos até lá. Algo precisaria ser feito para proteger aquela mãe.
Aguardamos na sala de espera com mulheres que haviam sofrido violência doméstica. Pouco depois ela foi chamada. A sua ficha cadastral foi sendo feita e a atendente parou ao lhe perguntar: ele tem transtorno? Sim, disse a mãe. É interditado? O processo está em andamento. Então, ele é inimputável… Não sabe o que faz, não tem culpa…
Só lhe resta ir fazer um BO, o Boletim de Ocorrência na Delegacia. Há uma perto, no seu bairro. Mas fará corpo-delito e não resolverá nada… Ele precisa de tratamento, senhora.
E saímos dali um tanto perdidas, sozinhas e abandonadas socialmente. Eu não poderia fazer nada!?
A mãe tratava o filho cuidadosamente, mas quando se trata de esquizofrenia refratária, o que se pode fazer? Os remédios tinham prejudicado a memória do filho, não sabia mais amarrar os sapatos, muita dependência em meio a necessidades de um adulto.
Só me restava levá-la para casa, abraçá-la, ficar disponível e lhe orientar, se fosse o caso, para outra internação. No entanto, ela já tinha feito isso antes de me procurar.
Mais tarde, escrevi para ela no Facebook: Não sei o que seria de nós todas, mães de pessoas tão instáveis, se não fossem as mães amigas ao nosso redor… Somos os anjos da guarda uma da outra.
Sua frase me fez pensar muito. Anjos que protegem, que estão perto… mas sempre faltando uma asa, limitadas para voar.
As mulheres, especialmente as mães de filhos com deficiências adquirem sabedoria no cuidado, desenvolvem muito a empatia. Muita empatia. E fiquei pensando se a sociedade sabe quem são essas mulheres que tem o compromisso e a responsabilidade de cuidar de alguém dependente, tão frágil, mas que pode colocar a sua vida em perigo.
Que tipo de amor é este? E fui pesquisar. Confira em próxima matéria: Anjos de uma asa só e Mulher Selvagem.
MARILICE COSTI vem escrevendo suas memórias. Especialista em Arteterapia, é Mestre em Arquitetura, autora de diversos livros, entre eles: “As palavras e o cuidado: Arteterapia e Literatura”, “A fábula do cuidador” e “Como controlar os lobos? e vários de literatura, entre eles Ressurgimento – Prêmio Açorianos em 2006. Foi editora da revista O Cuidador, para cuidar quem cuida (2008-2015), finalista no Prêmio Brasil Criativo – SP, em 2014. Criou Cuidaqui.com. Atualmente atende em seu Atelier com Arteterapia e Literatura/ Cursos.