Os primeiros registros artísticos foram encontrados no interior das cavernas. A caverna é útero, abrigo, gruta, catacumba, porão, esconderijo, casa, interior. Todos precisamos de cavernas, lugar privado onde se pode tirar as máscaras tão exigidas e necessárias para sobreviver.

Fruto do imaginário, marcas da memória sensível, a arte é capaz de resgatar a memória, limpar nosso “winchester” cheio, esvaziar, remover o incômodo, muitas vezes, desnecessário.

Dar esta sensação foi intencional em um dos últimos ambientes criados no segundo andar da Usina do Gasômetro para comemorar os 50 anos da RBS? Cinco décadas de vida e história foi bom relembrar e foi terapêutico resgatar raízes, mas absorver tanta informação requer tempo. O excesso de imagens podia dar náusea, enxaqueca, mal-estar.

Diferente foi a exposição Tapete VOA-DOR, na Oficina de Criatividade do Núcleo Nise da Silveira do Hospital Psiquiátrico São Pedro, onde 120 tapetes criativos voaram dores nos varais em um espaço onde o vento movimenta o sensível.

Impossível não se emocionar com a proposta de jogar a dor mental e a da exclusão pelo ar. Costuras de almas doloridas trançadas entre o real e o imaginário: boca com zíper, pernas fora do limite, par de anjos, o sutil filó, os dourados, a linha rompida da pandorga. Não foi apenas uma exposição, mas movimento coletivo de interrelações afetivas entre artistas e internos, cujo resultado foi lúdico e o estético surpreendeu. Assim como a exposição atual EU SOU VOCÊ, onde nos ressignificamos no outro, que é nós também, que ocorreu no mesmo espaço arquitetônico degradado, tão vivo nas obras criativas.
Trabalho em Exposição TAPETE VOA-DOR – HPSP

Antes da Arteterapia ser um movimento de saúde, de ser aprovada na rede pública do SUS, de marcar o retorno ao lúdico e ao criativo, Juan Marti afirmou que: el pensamiento dirige, escoge y aconseja; pero el arte viene, soberbio y asolador de las regiones indómitas donde se siente. Grande es asir la luz, pero de modo que encienda la del alma.

Herbert Read, Fayga Ostrower e tantos outros artistas e escritores falam da arte como restauradora de nosso interior. Ampliemos as expressões com poesia, pintura, escultura, colagem, música, prosa, expressão corporal, movimento, contação de histórias. Tudo pode criar novas redes neuronais. A arte pode curar. A escrita estimula um lado do cérebro e os recursos plásticos o outro lado. Isso pode acontecer com a entrega e a liberdade.

A liberdade de criar não tem base em cânones. Não é possível exigir do outro o que ele não pode dar. O ser humano é singular e nisto está a beleza. Ser com nossos talentos e não ser o que o outro quer ou o que a sociedade espera de nós, a chave da felicidade? A liberdade com criatividade tem esse poder catalisador de sentimentos, impulsiona novos movimentos.

A Arteterapia rompe com a crítica que machucou, abre portas para o autoconhecimento, o reconhecimento do que somos, do que se é de humano, valoroso, dinâmico e criador. Escrever, desenhar, esculpir, inventar histórias, dançar, pintar. Qualquer pessoa é capaz de criar e aprender nesse processo. A Arteterapia veio para ficar.

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MARILICE COSTI

Escritora, palestrante, oficineira. Especialista em Arteterapia, mestre em Arquitetura (UFRGS), criadora e editora da revista O Cuidador. É Prêmio Açorianos 2006 em poesia, tem muitos livros publicados. Dirige SANA ARTE.

www.marilicecosti.com.br

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